Desafios em tempos de confinamento: crianças hiperativas e superativas
- Sheila Antony
- 18 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de dez. de 2020
Vivemos um tempo que requer reflexão, estamos sofrendo uma experiência impactante em todas as dimensões – social, profissional, ocupacional, escolar, profissional, econômica, política, psicológica, médica e espiritual. Tempo de confinamento cujo sinônimo é enclausuramento, encarceramento, internamento, isolamento, aprisionamento, separação, isto é, sofre-se a perda da liberdade, a liberdade perdida. Estamos parcialmente isolados, afastados do trabalho, de amigos, de familiares, de pessoas com quem convivíamos. Houve o distanciamento, o isolamento, a separação daqueles que amamos, que possuímos laços afetivos. E onde há separação há sentimento de perda, o que impele à tristeza, experienciada diariamente com notícias de morte, perda de emprego, perda da fonte de renda que, por sua vez, provoca o luto não consciente, uma angústia gritante diante da possibilidade da morte, da fome, do sofrimento. CONFINAMENTO – DOENÇA – MORTE, esse é o mundo psíquico do adulto repleto de sentimentos de medo, raiva, tristeza, ansiedade.
Já o mundo da criança contrapõe-se ao mundo do adulto, uma vez que o espírito infantil é de alegria, excitação, prazer, desejo, notório pelo brincar, pela busca da diversão. A criança está amando se ver livre das obrigações, dos horários rotineiros da escola, das atividades extra-acadêmicas e, principalmente, está amando estar perto dos pais, ficar em casa, tendo a possibilidade de descobrir o verdadeiro sentido de lar. Ainda bem que estamos confinados em casa, lugar que representa segurança, proteção, descanso, encontro, re-união, após aquela cansativa jornada de trabalho e de escola. No entanto, a casa, nesse tempo de confinamento, ganha diferente significado – estresse, cansaço, prisão. Diante disso, ressaltarei alguns pontos importantes para serem pensados pelas famílias.
- O corpo da criança como meio de descarga de tensão emocional e excitação.
A criança necessita movimentar o corpo para livrar-se das tensões vividas no ambiente familiar. O corpo é meio de expressão emocional, de aquisição de conhecimento das coisas, do mundo, de si mesmo. A realidade é conhecida e apresentada por intermédio das experiências corporais. O corpo forte é construído pelas explorações da criança em relação aos objetos, aos outros e ao mundo. Quanto mais exerce domínio e equilíbrio, mais desenvolve habilidades e competências, mais fortalece o senso de eu – corpo forte, eu forte. Por isso, pais não deixem as crianças tempo demasiado utilizando ipads, computadores, celulares, elas precisam mover o corpo, soltar as tensões, liberar as excitações. Incentivem-nas a subirem em árvore, andar descalça, dançar, cantar, andar de bicicleta, jogar bola e outras brincadeiras (corre cotia, pique-esconde, bandeirinha), caso contrário, crescerão frágeis emocionalmente por se sentirem frágeis fisicamente. As crianças estão superativas porque estão com o corpo aprisionado, impedidas de descer ou brincar no parquinho, na grama, na rua. São crianças comuns que estão se tornando agitadas em função da tensão emocional advinda da situação de confinamento. Diferentemente, a criança hiperativa nasce agitada, com uma inquietação psicomotora, não se torna hiperativa. É um modo de funcionar, é um temperamento. Ela é hiper na totalidade – hiperativa, hiperemotiva, hiperatenta. Sua agitação psicomotora pode se intensificar, de acordo com o ambiente. Se há tensões, conflitos, exigências, intolerâncias, críticas frequentes dos pais com a criança, mais hiperativa ela se tornará, unindo a condição orgânica à questões emocionais. O mesmo ocorre com aquelas que estão se tornando superativas, se os pais tratam a questão do confinamento com foco na doença, na possibilidade de morte, com excessiva preocupação, com reclamações sobre o isolamento, ainda aprisionam a criança em casa e concedem muito tempo para ela usar os aparelhos eletrônicos, como forma de fugir da interação com elas, estão promovendo o aumento do nível de ansiedade, tensão, do estresse na vida familiar. Pais nervosos, criança nervosa. Pais tranquilos, criança tranquila.
- A criança interior (feliz e ferida). É o período de os pais resgatarem sua criança esquecida, se reconectarem com a criança que foram, reconhecerem a pessoa que é nas relações, o pai que é e quer ser (a mãe que é e quer ser), o marido que é e quer ser (a mulher que é e quer ser). É momento de reapropriação dos desejos, pensamentos e sentimentos (Sou eu que desejo e não o outro! Sou eu que sinto assim e não meu filho! Sou eu que ajo assim e não minha mulher). Ao resgatar sua criança interior, distinguir a feliz da ferida, o adulto será novamente capaz de brincar, de se (re)inventar, (re)criar, (re)inovar. Quando o pai ou a mãe gritam com a(o) filha(o), estão respondendo como a criança que foram diante dos próprios pais, é a criança ferida gritando para ser ouvida e querendo impor sua fala (o quê queria ter feito lá atrás). Desse modo, se comporta como criança, nivela a conversa em nível infantil, perde a autoridade lúcida. O pai ou a mãe precisa ter a consciência de que ele é o adulto, ele cresceu, amadureceu e é capaz de dominar suas emoções, com pensamentos equilibrados e conscientes. A criança necessita ver os pais como pessoas que sabem controlar as situações de tensão. Uma boa maneira de lidar com cargas de tensão elevadas é brincar. A brincadeira do adulto é dançar, cantar, jogar bola, praticar esporte, tocar um instrumento musical. Deixem sua criança interior livre para criar e brincar com seus filhos, vocês se sentirão felizes e farão seus filhos felizes.
- Qualificar a presença, por meio de uma presença consciente. Isso significa tomar consciência do modo como se relaciona, como está presente ao outro. Ensinar a escutar e ouvir, olhar e ver, tocar e ser tocado, falar e silenciar; ensinar o diálogo verdadeiro, direto e aberto. A presença qualificada fortalece o vínculo de amor, de respeito; promove a linguagem dos sentimentos, o que ensina a criança a ter empatia, compaixão, solidariedade, fraternidade - uma pedagogia das virtudes. Façam brincadeiras de olhar fixamente para o outro, de ouvir (a do telefone), de mímica, de vendar os olhos e deixar-se ser conduzido pelas mãos. Inventem, criem. As crianças conhecem inúmeras brincadeiras, perguntem a elas.
- Estabelecer limites nas fronteiras para evitar a confluência (a fusão), a qual leva à perda da individualidade e da invasão da privacidade. Valorizar a individualidade para valorizar o direito de todos e as necessidades particulares de cada um. A criança precisa aprender a brincar só, a ficar sozinha com suas fantasias, imagens, pensamentos. A mãe precisa ter um momento somente seu, bem como o pai e todos da família. Porém, há de existir momentos compartilhados, a dois e com todos juntos (mãe-criança-adolescente; pai-criança-adolescente; pai-mãe; família). Não estamos acostumados a conviver por 24 horas juntos, surgem tensões e conflitos devido às invasões de territórios/espaços, da impaciência e do egocentrismo de alguns. É importante se estipular uma rotina para cada membro familiar (horários, passatempo, atividades, deveres) e para a família, como um todo, bem como definir as delimitações de fronteira (aqui é meu lugar, agora quero estar sozinho, isso é minha responsabilidade). A casa, o mundo, o universo estão sendo uma coisa só, escolham com consciência aquilo que querem deixar entrar em sua casa. Decidam pelas informações boas, positivas, esperançosas, saudáveis; recusem aquelas que intoxicam, deprimem, desesperam. Como diz o psicólogo Ari Rehfeld “Quem tem esperança, espera. Quem não tem esperança, se desespera”. É um período de aprender a arte de conviver, de coexistir, o que significa aceitar e respeitar as diferenças, deficiências, limitações, inclusive de reconhecer as qualidades únicas de cada um.
- Criar nova rotina. A rotina é importante para ensinar organização, responsabilidade, dar segurança. Estipular horário para dormir, acordar, almoçar, lanchar, brincar com computador (ipad, celular), descer ou sair para brincar, arrumar quarto, ajudar nas refeições, estudar, ler histórias – a constância das ações e atividades dá equilíbrio interno, orientação e previsibilidade. O ser humano não vive sem rotina. A organização externa depende da organização interna. Mas, tudo com flexibilidade, sem rigidez.
PACIÊNCIA, CONSCIÊNCIA!
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